Projeto de Prática Multidisciplinar

Ementa

A disciplina Projeto de Prática Multidisciplinar pretende aplicar a metodologia de ensino pautada em experiência (experiential learning), já testada em diversos países com sucesso, e visa oferecer aos(às) alunos(as) uma preparação profissional baseada em projetos complexos e multidisciplinares.

A disciplina tem três objetivos principais: (i) permitir que os/as alunos/as desenvolvam habilidades necessárias a qualquer profissão ou atividade profissional, incluindo empreendedorismo e liderança; (ii) oferecer aos/às alunos/as a possibilidade de se engajar em projetos de natureza multidisciplinar e que exijam extensa capacidade de enfrentar problemas de maneira holística; (iii) oferecer um ambiente para que o/a aluno/a seja responsável pelo seu próprio aprendizado, treinando habilidades de busca de conhecimento de maneira autônoma e independente, através da vivência de experiência práticas.

No intuito de atingir esses objetivos, a disciplina permite aos/às alunos/as que definam os projetos nos quais pretendem se engajar dentro de opções e critérios pré-definidos pelos/as docentes, mas gozando de autonomia para definir o escopo de atuação, a metodologia de trabalho e o formato da entrega final.

Os projetos de prática multidisciplinar trabalham com grupos de cerca de 20 alunos/as, sob supervisão e o acompanhamento de dois/duas docentes de áreas de atuação distintas. Ao longo do desenvolvimento do projeto, os/as docentes oferecem espaços para aprendizado em grupo e para reflexão e observação da experiência vivida, auxiliando na sistematização do aprendizado obtido e na sua reaplicação.

A seguir, conheça as ementas dos projetos do ano letivo de 2023:

1. Trabalho digital: desafios jurídicos em um ambiente de rápida mudança

A pandemia da Covid-19 acelerou o processo de digitalização em diversos países. A necessidade de distanciamento social contribuiu para que diferentes segmentos da sociedade ampliassem os seus investimentos em tecnologia da informação. Softwares de videoconferência, por exemplo, se tornaram ferramentas indispensáveis para a execução de tarefas cotidianas de trabalho. Ao lado de ferramentas que viabilizaram o trabalho à distância no período de maior restrição de contato, os investimentos também foram direcionados para a aquisição de tecnologias de monitoramento e avaliação comportamental de pessoas em espaços de trabalho, gerando novas informações sobre indivíduos para orientar processos de tomada de decisão de empresas na atualidade. Ferramentas como keylogger software (grava as teclas digitadas por uma pessoa em um computador e emite relatórios para supervisores), geolocation software (registra a movimentação de funcionários dentro e fora da empresa), people analytics software (sistema de pontuação gerado por inteligência artificial que classifica indivíduos de acordo com suas habilidades e competências no ambiente de trabalho), são apenas alguns exemplos de tecnologias que passaram a atrair o interesse e os recursos de empresas em diferentes segmentos de mercado, criando um novo nicho de desenvolvimento de tecnologia, o chamado HR Tech - Human Resources Technologies.

A ampliação no uso de HR Techs tem suscitado questões jurídicas complexas para campos como o do direito do trabalho, da proteção de dados pessoais, do direito contratual, da regulação da cibersegurança, entre outros. As questões perpassam debates sobre o exercício e a proteção de direitos no uso de ferramentas digitais em ambientes de trabalho, passando por deveres de transparência no tratamento de dados e informações no uso de softwares de monitoramento e discussões sobre a contestação de resultados derivados de sistemas computacionais de inteligência artificial que são considerados equivocados ou discriminatórios. A velocidade na adoção de HR Techs pelo mercado e as transformações resultantes dessa adoção não têm sido acompanhadas por uma mobilização da comunidade jurídica na construção de respostas interpretativas e regulatórias para superar desafios concretos advindos do emprego dessas novas tecnologias.

Em razão disso, o projeto multidisciplinar Trabalho Digital - Desafios Jurídicos em um Ambiente de Rápida Mudança tem como objetivo explorar questões jurídicas complexas advindas da aplicação de tecnologias da informação em atividades de recursos humanos e gestão de pessoas em empresas privadas. Para tanto, o projeto irá investigar o funcionamento de empresas fornecedoras de HR Tech no Brasil e no exterior para uma compreensão sobre quais são as características das tecnologias utilizadas que importam para a compreensão de questões jurídicas na área, bem como irá explorar a sua aplicação por empresas de diferentes segmentos no país, analisando e discutindo as consequências de sua implementação e as críticas de segmentos da sociedade civil ao uso dessas tecnologias no ambiente de trabalho.

2. Riscos e perspectivas de acesso à justiça diante dos tribunais online

O projeto tem como objetivo explorar os impactos da virtualização da atividade jurisdicional para o acesso à justiça. Em 2020, a pandemia da Covid-19 consolidou a transposição de todo o processo presencial para formas virtuais e online: ampliação do plenário virtual no STF, sessões de julgamento online, audiências por videoconferência são apenas alguns exemplos desse processo, cujos efeitos ainda não estão mapeados.

Há, de um lado, a preocupação de que reforce assimetrias processuais, diminua a interação entre partes e julgadores, reduza a dimensão humana das soluções dos conflitos e prejudique ou elimine a publicidade dos atos judiciais, notadamente audiências e julgamentos. No STF, a migração das sessões do plenário físico para sessões síncronas por videoconferência e a ampliação das competências do plenário virtual alteraram significativamente a forma de relação entre ministros e os diversos partícipes do processo constitucional, incluídos os amici curiae e participantes em audiências públicas. Em âmbito penal, há o risco de que a virtualização dificulte denúncias de maus tratos e tortura em pessoas presas. Em geral, conforme já percebido na área trabalhista, verifica-se enormes desafios na produção de prova testemunhal confiável. De outro lado, a realização de atos processuais por videoconferência permite que partes distantes dos grandes centros e dos tribunais possam acessar os julgadores com custo muito menor. Os Tribunais Superiores localizados em Brasília, por exemplo, ficaram mais acessíveis.

Diante desse cenário, os estudantes serão instigados a produzir diagnósticos sobre o tema e refletir sobre os impactos dessa transformação para a prestação jurisdicional, mediante parcerias que poderão ser estabelecidas com instituições como OAB, Defensoria Pública, Ministério Público e Judiciário (CNJ). Como produto, pretende-se buscar caminhos para que os impactos ao acesso à justiça e à participação social sejam considerados nesse processo de transformação radical da atividade jurisdicional.

3. Wagging the dog: os desafios da regulação das novas tecnologias

A Inteligência Artificial (IA) é hoje parte integrante de nosso dia a dia. Todos nós a encontramos quotidianamente em nossa vida social, nosso lazer, nossa atividade profissional. Para os advogados, a IA está rapidamente sendo assimilada em diferentes dimensões dos serviços jurídicos:  análise preditiva alimentada por IA, software de pesquisa, programas de cobrança, análise de contratos e muitas outras ferramentas têm o potencial de gerar uma atividade jurídica mais simples, eficiente e eficaz.

A incorporação da IA na esfera jurídica não se dá sem ambivalências, entretanto, seja do ponto de vista prático, seja do ponto de vista ético e político. Por isso, o processo de sua inserção no campo jurídico exige que os estudantes de direito compreendam não apenas o funcionamento dos diferentes programas de IA, mas também as implicações éticas, legais e sociais de seu uso na profissão.

Os profissionais jurídicos também precisam ser capazes de avaliar o papel da IA nos negócios de seus clientes, especialmente no que diz respeito à sua eficiência potencial, sua adequação ao conjunto normativo relevante e às suas implicações éticas. Eles tem o imperativo ético-profissional de examinar criticamente e de buscar tornar transparentes as premissas subjacentes que  informam as determinações feitas pela IA e suas múltiplas implicações. Atualmente, as formas mais avançadas de IA empregam processos de tomada de decisão complexos e opacos.

A IA requer também imensas quantidades de dados, pessoais e privados para que se possa desenvolver, ensinar e implementar os algoritmos. A coleta, análise e implementação dos chamados big data, por exemplo, têm seu próprio conjunto único de preocupações éticas, legais e sociais, principalmente relacionadas à privacidade, direitos de propriedade intelectual e propriedade.

Finalmente, o uso generalizado de tecnologias baseadas em nuvem significa que as preocupações jurisdicionais são internacionais, e os alunos precisam ser capazes de examinar problemas jurídicos não apenas desde um ponto de vista do sistema jurídico brasileiro, mas também de outras formas de regulação no âmbito internacional. Este curso convida os alunos a uma compreensão mais aprofundada do uso da IA e a uma reflexão sobre mecanismos de regulação, jurídicos e extra-jurídicos, capazes de promover seu uso responsável, ético e inclusivo.

4. Quando o Estado é o algoz: raio-X da responsabilidade estatal por graves violações de direitos humanos 

O projeto tem como objetivo instigar os alunos a analisar a responsabilidade por violência estatal sob diferentes olhares (responsabilidade civil, criminal e administrativa). A proposta de realizar um "raio-x" justifica-se não só pela interseção destes âmbitos de responsabilidade, que também se estende à análise da dogmática doméstica e internacional sobre o tema, como também pelo estudo da violência estatal como um todo: abrange, antes de tudo, a definição sobre o que é violência estatal, sobre o que compõe a noção de grave violação a direitos humanos, sobre diferentes formas de reparação e de prevenção do dano e, por fim, sobre a efetividade de condenações.  

O curso está organizado em três partes. A primeira será dedicada à produção de um aparato conceitual comum no tocante ao significado e ao alcance das graves violações de direitos humanos. Esta etapa se apoiará sobretudo na leitura de textos teóricos e no debate com pessoas com amplo conhecimento nos temas tratados. Nesta etapa iniciaremos também a construção de um repertório de casos concretos que serão explorados em detalhe na terceira parte do projeto. 

A segunda etapa do projeto debruçará sobre os principais institutos jurídicos que compõem a responsabilização estatal por graves violações de direitos humanos. Para consolidar e aprofundar o conhecimento dogmático desses institutos, esta etapa do curso está organizada ao redor das seguintes questões: (i) quem é responsável e por quê? (responsabilidade objetiva e subjetiva; concursos; teorias justificadoras) (ii) por quanto tempo a responsabilização poderá ser demandada ao poder judiciário (prescrição); (iii) efeitos da responsabilização (modalidades de punição e reparação); (iv) implementação e efetividade dos efeitos da responsabilização (gestão da sanção, pagamento de precatórios, etc.). Cada feixe de perguntas norteará atividades em grupo de pesquisa normativa e dogmática nas áreas penal, civil e administrativa (sempre que cabível).  

A terceira parte, enfim, será dedicada ao desenvolvimento dos trabalhos em grupo que serão criados, em parceria com as docentes, a partir do estoque de conhecimento e de problemas jurídicos produzidos e identificados no decorrer das duas primeiras etapas.  

Informações básicas

Carga horária
180horas
Créditos
12,00