Os alunos e alunas da disciplina “O campo criminológico diante do Massacre do Carandiru”, eletiva oferecida na Graduação da FGV Direito SP, tiveram no dia 9 de agosto uma aula externa. Acompanhados da professora Maíra Rocha Machado, eles visitaram o Museu Penitenciário Paulista e o Espaço Memória Carandiru, ambos no Parque da Juventude.
O Espaço Memória Carandiru foi criado em 2007 no local do antigo Complexo Penitenciário Carandiru para salvaguardar a memória dos moradores da antiga Casa de Detenção de São Paulo, conhecida por Carandiru, onde, em 2 de outubro de 1992, aconteceu a maior chacina já ocorrida no Brasil, quando uma intervenção da Polícia Militar de São Paulo para conter uma rebelião no Pavilhão 9 resultou no assassinato de, ao menos, 111 pessoas em privação de liberdade.
Desde então, diversos processos criminais e cíveis tramitam na Justiça brasileira, ainda sem um desfecho. Entre 2001 e 2016, os policiais acusados pelo Ministério Público de São Paulo pela morte dos 111 presos foram condenados por júri popular por homicídio qualificado, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu as condenações, decisão suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2021, abrindo caminho para a execução das penas dos condenados. Neste ano, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que pretende conceder anistia aos policiais militares condenados.
O episódio ficou conhecido mundialmente por Massacre do Carandiru e rendeu diversas reflexões no meio acadêmico e entre estudiosos do tema da segurança pública. Entre elas, o projeto Memória Massacre Carandiru, uma parceria do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da FGV Direito SP e da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação (Andhep) lançado no dia 25 de março de 2015 para reunir em uma plataforma de livre acesso todo e qualquer material relacionado ao episódio.
O projeto nasceu no decorrer da pesquisa “Carandiru não é coisa do passado”, que começou a ser gestado em 2011, quando o então secretário de Segurança Pública de São Paulo indicou para chefiar a Rota um dos policiais acusados pelos 111 homicídios. Quando indagado por jornalistas sobre isso, afirmou: “Carandiru é coisa do passado”. A partir daí, as professoras Maíra Rocha Machado e Marta Machado iniciaram um mapeamento de todas as ações administrativas e judiciais decorrentes do episódio, considerado a maior violação de direitos humanos dentro de um estabelecimento prisional já ocorrida no mundo. A conclusão da pesquisa foi a de que, embora vários mecanismos institucionais tenham sido acionados, como procedimentos disciplinares, ações penais e ações cíveis de indenização, além de uma representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, após mais e duas décadas o cenário era de fragmentação, desaceleração e descontinuidade dos processos de responsabilização, de continuidade das condições estruturais do sistema prisional e das violações de direitos humanos, e de esquecimento na esfera pública. A situação persiste até hoje, passados 30 anos do massacre, o que significa que violações de direitos humanos no sistema prisional não são página virada da história do Brasil.
O objetivo da disciplina “O campo criminológico diante do Massacre do Carandiru”, que levou os alunos e alunas a campo, é percorrer as principais correntes da criminologia a partir da observação do passado-presente-futuro do Massacre do Carandiru e suas três décadas de procedimentos judiciais e administrativos que envolvem diversas áreas do Direito. No curso, estudantes são expostos ao conhecimento multidisciplinar produzido no âmbito das ciências humanas e sociais e aos efeitos da aplicação prática do Direito em um dos casos mais ruidosos da Justiça brasileira, além de aguçar a capacidade de observação e descrição de problemas complexos e de mobilização, de expressão oral e de argumentação e de escuta sensível das pessoas envolvidas no Massacre do Carandiru e de tantos outros massacres cotidianos da população vitimada pela atuação brutal das autoridades policiais e carcerárias, permitindo ainda tematizar o racismo inscrito nas práticas do sistema de justiça brasileiro.