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Professores e especialistas nos temas de controle da administração pública, corrupção e Direito penal econômico da FGV Direito SP se reuniram no fim de abril para apresentar os atuais desafios dos acordos de leniência e debater as alterações necessárias à efetividade do instrumento.

Instrumento central na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), os acordos de leniência foram largamente celebrados no contexto da Operação Lava-Jato por permitirem a obtenção de informações e evidências pela colaboração das empresas lenientes com as autoridades públicas.

Em março de 2023, os partidos PSOL, PcdoB e Solidariedade ingressaram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1051, que está em fase de autocomposição no tribunal. Recentemente, o STF prorrogou a repactuação consensual dos acordos de leniência questionados.

Raquel Pimenta, professora do Mestrado e Doutorado Acadêmico e co-coordenadora do Núcleo de Direito e Economia Política (Nudep) da FGV Direito SP, divide a análise da evolução do instrumento, ao longo de dez anos de sua existência, em duas etapas. A primeira, que vai entre 2013 e 2018, ela chama de fase de “período de aprendizado acelerado e conturbado”, quando foram assinados cerca de 45 acordos na esfera federal. “Neste período, aprendemos a fazer acordos de leniência, com muitos méritos e muitos desafios. Os desafios podem ser resumidos em três níveis: problemas do desenho contratual, problemas de como as instituições interpretam certos institutos (como multas e ressarcimentos) e em questões de desenho institucional, com maior coordenação entre controladores”, explica. Raquel também aponta fatores positivos deste período, como a alavancagem de investigações e o estabelecimento de uma cultura no setor privado sobre a integridade anticorrupção.

Já entre 2019 e 2023 ocorreu o período em que a professora chama de “incrementalismo ainda insuficiente”, com número semelhante de acordos. “Houve o início de um trabalho de identificação e tentativa de solução de problemas, com a persistência de desafios que desaguaram nas ações perante o STF.” Para Raquel, relembrar o histórico é importante para distinguir quais são as principais questões e, assim, tornar os acordos de leniência mais efetivos.

Para a professora Juliana Palma, do Mestrado e Doutorado Profissional da FGV Direito SP, a revisão de acordos deve ser vislumbrada com naturalidade, tendo em vista que a negociação se evidencia no momento da pactuação e da execução de suas cláusulas, principalmente nas leniências em repactuação no STF, de prazo diferido. Para Juliana, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pode ajudar na construção desses parâmetros de revisão ordinária, como o dever de que as cláusulas sejam proporcionais e equânimes ao longo da vigência das leniências. “A revisão dos acordos de leniência precisa ser normalizada. As condições para essas revisões e otimizações devem estar previstas nos próprios acordos e atender ao estabelecido pelas leis. O artigo 26 de LINDB, por exemplo, traz algumas condições que devem ser observadas não apenas na repactuação, como em toda a duração do acordo”, explica.

André Rosilho, coordenador do Observatório do Tribunal de Contas na União (TCU) do Grupo Público e professor do Mestrado e Doutorado Profissional da FGV Direito SP, buscou explicar a razão pela qual o TCU, que sequer é mencionado pela Lei Anticorrupção, acabou assumindo protagonismo nas discussões sobre acordos de leniência. A hipótese é a de que o fenômeno tenha a ver com movimento de autoatribuição de competências.

Para o professor, apesar de a postura do TCU na fiscalização de acordos de leniência ser juridicamente questionável, fato é que ele conquistou espaço, do qual dificilmente abrirá mão. O mais provável é que o futuro dos acordos de leniência continue passando pelo tribunal.

Ao relembrar a solução dada para alguns acordos, Rodrigo de Grandis, professor do Mestrado Profissional da FGV Direito SP e ex-procurador do Ministério Público, observou que grande parte teve uma solução por consenso, como acordos antitruste, persecução penal, não persecução cível, colaboração premiada, leniências administrativas no âmbito da CVM, do Banco Central e outros que vivem no ordenamento jurídico. De Grandis considera que o grande fio condutor que permeia os acordos antitruste, a colaboração premiada (prevista na Lei nº 12.850) e os acordos de leniência é a possibilidade de produção de provas que, segundo outros procedimentos, não seria possível, tendo em vista que as operações eram efetuadas em ambientes de conluio. Para De Grandis, ainda falta uma regulamentação dos acordos de leniência que estabeleça sua natureza jurídica e defina quais são as consequências penais. E é justamente essa lacuna que pode provocar insegurança jurídica.