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Pesquisadores da FGV Direito SP ganham prêmio internacional por impacto de pesquisa em política pública

Trabalho premiado relata esforços em torno da Medida Provisória (MP) 870/2019, primeiro ato do atual governo e que abria portas para eventual interferência do governo federal nas Organizações da Sociedade Civil, vedada pela Constituição Federal

Os pesquisadores Aline Gonçalves de Souza e Eduardo Pannunzio, da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada da FGV Direito SP, foram vencedores da primeira edição do concurso “Civil Society Policy Impact Research Award”, promovido pela International Society for Third-Sector Research (ISTR).

Fundada em 1992, a ISTR é a maior associação internacional focada em pesquisa e educação nas áreas que envolvem a sociedade civil, a filantropia e o setor social, com mais de 800 membros em 84 países, compostos principalmente por acadêmicos e pesquisadores. Seu objetivo é criar, discutir e desenvolver conhecimento de excelência relacionado com o Terceiro Setor. O concurso foi criado em 2019 para premiar pesquisadores que documentassem ações efetivas da sociedade civil que tenham contribuído para mudanças em políticas públicas.

Com o título “The Role of CSOS and Academics in Changing Brazilian Public Policy: A Brief Case Study of Provisional Measure 870/2019”, Aline Gonçalves de Souza e Eduardo Pannunzio foram vencedores do prêmio internacional. “Ficamos honrados em receber o reconhecimento do nosso trabalho pela maior organização acadêmica focada em terceiro setor. É também um incentivo para seguirmos nos esforços de contribuir para a promoção do ambiente legal das Organizações da Sociedade Civil no Brasil”, destaca Eduardo Pannunzio.

O trabalho premiado relata os esforços realizados em torno da Medida Provisória (MP) 870/2019, editada em 1º de janeiro de 2019 e que foi o primeiro ato do Poder Executivo do atual governo. A MP, ao fixar nova organização à Presidência da República e ministérios, havia conferido à Secretaria de Governo competência para “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”.

Severas críticas foram feitas na imprensa e na sociedade civil ao dispositivo, por abrir portas a uma eventual interferência do governo federal nas Organizações da Sociedade Civil (OSC), o que é vedado pela Constituição Federal. Diante disso, os pesquisadores que atuam na temática das organizações da sociedade civil (OSC) na FGV Direito SP entenderam que seria importante promover um diálogo com os representantes do governo federal.

Foi então realizada a 15ª edição do Diálogo Paulista entre Órgãos de Controle e Organizações da Sociedade Civil no dia 21 de fevereiro de 2019. O fórum de debate, que existe deste 2014, é realizado pela Associação Paulista de Fundações (APF), a Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da FGV Direito SP e o Conselho Nacional de Controle Interno (CONACI), com encontros periódicos na sede da FGV. Com o tema “nova arquitetura do governo federal para o relacionamento com organizações da sociedade civil”, a edição do Diálogo Paulista foi realizada também em parceria com o projeto Sustenta OSC, realizado pela FGV e Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), que tem o apoio do IPEA e financiamento da União Europeia e de diversas outras organizações. O evento foi transmitido ao vivo e está no canal do YouTube da FGV Direito SP, disponível AQUI.

Naquela ocasião, sob a mediação de pesquisadores da FGV Direito SP, aproximadamente 80 pessoas debateram o tema. Estiveram presentes representantes da Secretaria de Governo, entre eles o Secretário Especial de Articulação Social, responsável pela pauta, bem como representantes de órgãos de controle, como TCE, TCU, do Poder Executivo, Defensoria Pública do Estado de São Paulo e estudiosos.

“Como era início da nova gestão, entendemos que seria benéfico ao debate apresentar a arquitetura de controle, registro e fiscalização que já se aplicava sobre as OSC no Brasil. De cartórios a tribunais de contas. Com a presença de representantes de órgãos de controle no Diálogo, foi possível desmitificar argumentos de que não há transparência sobre a atuação das associações e fundações no país. O Mapa das OSC, por exemplo, georreferencia todas as que existem e promove o cruzamento de mais de 20 bancos de informação públicos. Há informações sobre área de atuação, volume e origem dos recursos públicos recebidos, composição de empregados, entre outras informações”, esclareceu a pesquisadora Aline Gonçalves de Souza.

Após o debate, diversas OSC passaram a reivindicar a supressão do inciso II do artigo 5º da MP. Foram imprescindíveis no debate com o Congresso Nacional as articulações de OSCs como o Pacto pela Democracia e a Plataforma por um Novo Marco Regulatório das OSCs. Também foram fundamentais as instituições Conectas Direitos Humanos, Rede Justiça Criminal, Fundação Tide Setubal, ACT Promoção da Saúde, IDDD, Idec, GIFE, entre outros, juntamente à assessoria de relações governamentais Pulso Público.

No entanto, à medida que os diálogos junto aos parlamentares foram indicando baixíssima disposição do governo em abrir mão do conteúdo, foi desenvolvido pela CPJA um working paper, de autoria do pesquisador Eduardo Pannunzio, com o título: "Contribuições para o aperfeiçoamento da MP 870 na relação do Governo Federal com Organizações da Sociedade Civil". Nesta breve pesquisa aplicada foi feito um resgate sobre a competência da Presidência da República no relacionamento com as OSCs nos últimos 20 anos e, a partir dos debates do Diálogo Paulista, foi proposta uma redação alternativa ao inciso. Submetido àquelas articulações de OSCs e após incorporar pequenos ajustes, continha a seguinte redação: “II - coordenar a interlocução do Governo Federal com as organizações internacionais e organizações da sociedade civil que atuem no território nacional, acompanhar as ações e os resultados da política de parcerias do Governo Federal com estas organizações e promover boas práticas para efetivação da legislação aplicável.”

O texto proposto foi acolhido integralmente no Congresso Nacional e, posteriormente pelo próprio Poder Executivo federal, que editou a Medida Provisória nº 886, de 18 de junho de 2019, repetindo o texto alternativo aprovado pelo Congresso, com origem de elaboração da academia em articulação com OSCs. Atualmente, o texto consta na Lei nº 13.901/2019.

“Este é um caso relevante de proteção do ambiente legal das OSC e demonstra a potência da pesquisa aplicada que consegue contribuir para o debate público em momentos decisivos”, diz Aline.