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Aos 31 anos, resgate da memória sobre Massacre do Carandiru ainda desafia pesquisadores

Estudantes produziram, recentemente, o relatório "Reparação integral e direito à memória no massacre do Carandiru", que expõe o problema da preservação da memória do episódio.

Após mais de 30 anos do Massacre do Carandiru, a maior chacina já ocorrida no Brasil, quando 111 pessoas em privação de liberdade foram assassinadas em função de uma intervenção da Polícia Militar na Casa de Detenção de São Paulo para conter uma rebelião, ainda há grande dificuldade de reconstrução dos fatos e de resgate dos eventos que ocorreram naquele 2 de outubro de 1992. A preservação do Espaço Memória Carandiru é um exemplo desse desafio. Criado em 2007, o espaço enfrenta dificuldades para se manter aberto e incertezas quanto à gestão de seu acervo. Sob a gestão da Secretaria do Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, o acervo tem o objetivo de salvaguardar a memória dos moradores do antigo complexo penitenciário. Mas, com o iminente encerramento do Curso Técnico de Museologia da ETEC Parque da Juventude do Centro Paula Souza, hoje responsável pela administração do espaço, não há definições claras sobre o futuro do Espaço Memória Carandiru, que foi fechado para visitações a partir desta semana, por tempo indeterminado.

O desafio de preservar a memória da maior violação de direitos humanos da história do país e uma das maiores do mundo é encarado por diversos pesquisadores da área de ciências humanas, entre eles os alunos e alunas da Clínica de Acesso à Justiça e Advocacia de Interesse Público da FGV Direito SP. Os estudantes produziram, recentemente, o relatório Reparação integral e direito à memória no massacre do Carandiru, que expõe o problema da preservação da memória do episódio.

O relatório também aborda as narrativas oficiais do Estado sobre o evento, propondo argumentos jurídicos focados na proteção do direito à verdade das vítimas, sobreviventes e familiares do massacre do Carandiru. Além do Espaço Memória Carandiru, o Parque da Juventude, construído em 2003 sob as ruínas do complexo penitenciário, abriga também o museu do Sistema Penitenciário Paulista, que expõe uma linha do tempo que remete aos eventos de 1992 como um “motim”, sem qualquer referência às vítimas e à condenação de policiais envolvidos no massacre pelo Judiciário paulista.

“O massacre é um marco histórico que simboliza a precariedade e a violência do sistema penitenciário paulista”, diz a professora Maria Cecília de Araújo Asperti, coordenadora da Clínica de Acesso à Justiça e Advocacia de Interesse Público da FGV Direito SP. O tema da precariedade do sistema prisional é, há décadas, motivo de intenso debate no Brasil, tanto na academia quanto no Poder Judiciário. Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, formando maioria para considerar o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros, com o reconhecimento de violações sistemáticas e massivas de direitos humanos de presos.

Tido como um trágico marco histórico na história dos presídios brasileiros, a reconstrução dos fatos acerca do Massacre do Carandiru e manutenção da sua memória são medidas necessárias para transformação efetiva do sistema penitenciário brasileiro.