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Ausência de dados sobre pessoas negras dificulta a ampliação da diversidade racial na magistratura, conclui estudo da FGV Direito SP

Apesar das diversas medidas adotadas nos últimos anos, como a Resolução nº 203 do CNJ, ainda não houve constatação de aumento da presença negra na Justiça.

A FGV Direito SP lançou ontem, 14 de maio, a pesquisa Operacionalizando a equidade racial no Poder Judiciário: uma análise da implementação da Resolução nº 203/2015 do Conselho Nacional de Justiça, que analisa o impacto das medidas tomadas para promover o aumento da diversidade racial nos quadros da magistratura.

O principal documento analisado foi a Resolução nº 203, criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2015, que estabeleceu a reserva de 20% de vagas para pessoas negras nos concursos de carreira. Também foram analisados editais dos concursos para magistratura do trabalho, estadual e federal, com o propósito de compreender como tem se dado a aplicação da resolução do CNJ, em termos de percentual de ingresso de pessoas negras no Poder Judiciário.

Um problema apontado pelas pesquisadoras do Núcleo de Justiça e Constituição e do Núcleo de Justiça Racial e Direito, ambas instâncias de pesquisa da FGV Direito SP, é o alto índice de magistrados(as) que não tem dados ou informações sobre seu perfil étnico-racial nas Justiças do Trabalho, nas Justiças Estaduais e na Justiça Federal.

Segundo Luciana de Oliveira Ramos, uma das coordenadoras do projeto, esta informação leva à conclusão de que há uma dificuldade para o CNJ produzir uma política de acompanhamento dos candidatos que se inscrevem pelo sistema de cotas.

“Isto quer dizer que, havendo avanços sobre a presença negra na magistratura a partir da referida resolução, o CNJ não acessa e não consegue controlar diretamente os sistemas de gestão de pessoal, no que diz respeito aos marcadores de raça-etnia e gênero, quanto ao ingresso, permanência e promoção nas diferentes carreiras que compõem os tribunais brasileiros. Essas informações também não estão disponíveis nas páginas eletrônicas destes órgãos, dependendo sempre de um pedido de informações feitas pelo CNJ a cada tribunal e tais informações, quando disponibilizadas, são feitas de forma não integrada”, registra o relatório.

Outro ponto analisado foi a disponibilidade da informação sobre cotas nos editais de concursos, a partir de 2015, e a conclusão é que as informações sobre as candidaturas dentro dos critérios de cotas ou são inexistentes ou pouco transparentes.

“O acesso à informação é peça fundamental para o controle e a fiscalização popular do funcionamento do Estado e da gestão pública. Nesta pesquisa, a opção foi verificar a publicidade, a transparência e as condições de acesso às informações disponibilizadas de forma ativa e voluntária pelas instituições”, consta no relatório. Porém, as conclusões apontam que a maioria das informações disponibilizadas pelos tribunais possuem um nível entre moderado e de difícil acesso, sendo necessária recorrer a materiais extras para a realização da análise, como as informações disponibilizadas pelas empresas contratadas para a realização do concurso ou mesmo de cursos preparatórios.

Outra conclusão extraída do estudo é que ainda não existe uma grande percepção por parte da própria magistratura sobre a equidade racial e as desigualdades existentes na carreira jurídica. Por meio de entrevistas realizadas, é possível perceber que ainda não existe uma compreensão sobre a importância de se promover esforços para se combater a desigualdade racial dentro da magistratura e da institucionalização de políticas afirmativas, como letramento racial de magistrados(as) e servidores(as).

As principais conclusões do estudo foram:

  1. Passados quase 10 anos da vigência da Resolução nº 203/2015, ainda se sente a falta de dados sistematizados sobre o perfil racial de magistrados e magistradas. A maioria dos tribunais não têm esse dado ou esse dado não é facilmente acessível;
  2. A falta de dados prejudica a própria elaboração da política e, principalmente, o seu monitoramento e avaliação;
  3. Além disso, a dificuldade de acesso aos dados de aprovados nas diferentes etapas do concurso impede o acompanhamento do avanço de pessoas negras em cada uma das fases;
  4. A ausências de listas específicas para pessoas negras, em alguns concursos, revela um processo de desracialização das pessoas negras; e
  5. A análise de entrevistas realizadas com magistrados revelou que poucos(as) entrevistados(as) observaram algum impacto da Resolução nº 203/2015, principalmente quanto ao aumento no número de juízes(as) pretos(as) ou pardos(as). Alguns(as) entrevistados(as) se posicionaram de forma contrária à existência de reserva de vagas para pessoas pretas e pardas, reforçando o caráter meritocrático dos processos seletivos da magistratura. Quanto às iniciativas para combate ao racismo e promoção da equidade racial, identificamos que nenhum dos tribunais dos quais fazem parte os(as) entrevistados(as) possui iniciativas de letramento ou programas educativos que tratam da Resolução ou da equidade racial no Judiciário.   

Saiba mais sobre a pesquisa Operacionalizando a Equidade Racial no Judiciário | FGV DIREITO SP