Quantos conflitos e disputas com empresas são efetivamente processados e julgados por tribunais estatais? Qual a parcela de conflitos que não são judicializados e simplesmente acabam após serem “processados” por empresas? E qual influência das empresas na resolução de conflitos em larga escala? Essas perguntas partem de uma constatação, bastante difundida, de que as grandes sociedades anônimas são as instituições mais influentes na esfera pública contemporânea. Foi sobre esse contexto que alunas e alunos da Graduação da FGV Direito SP se debruçaram neste semestre durante o projeto de prática multidisciplinar “Empresas ou juízas? Tribunais empresariais e mecanismos privados de soluções de controvérsias”.
O projeto foi elaborado a partir da constatação de que a influência das empresas na resolução de conflitos em larga escala se revela de várias formas e em diferentes interações. Um exemplo claro é o setor de compras online, com empresas como Amazon, Ifood e Mercado Livre, que não só intermedeiam as transações, mas controlam quase todo o processo de venda, incluindo a gestão de conflitos com usuários, fornecedores e trabalhadores. Quando ocorre um problema após a compra, a própria plataforma conduz a resolução. O mesmo acontece com aplicativos de transporte, que oferecem sistemas automatizados para lidar com reclamações de usuários e de motoristas. Mesmo em setores analógicos da economia – como o setor financeiro e operadoras de cartão de crédito -- as decisões empresariais têm um impacto direto na resolução de litígios. Assim, essas empresas se tornaram centrais na resolução de conflitos sociais na sociedade atual. Esse controle se estende até a cenários de responsabilidade civil, como em desastres de grande escala, onde o processo de indenização é gerido pelas próprias empresas. Orientados pela professora Olívia Pasqualeto e pelo professor Daniel Campos, os(as) estudantes se dedicaram a analisar esses mecanismos, refletindo sobre as possíveis tensões que os permeiam, discutindo assimetrias, transparência, direito à informação, neutralidade, dentre outros elementos em jogo nesses “tribunais”.
Os alunos e as alunas foram divididos em grupos e cada grupo escolheu um tema dentro do escopo da disciplina para trabalhar. Ao fim do semestre, os alunos e alunas entregaram:
1) O jogo de tabuleiro Negócio fechado!, que torna mais dinâmica a discussão sobre compliance e métodos alternativos de solução de conflitos. No jogo, os participantes se dividem em grupos e devem propor soluções para situações-problema do ambiente empresarial. As propostas são avaliadas por um conselho formado por três alunos, cada um representando um papel-chave nas relações corporativas: um executivo, um trabalhador e um consumidor. Eles decidem se as soluções são aprovadas ou rejeitadas, determinando se o grupo avança no tabuleiro. A ferramenta foi pensada para apoiar disciplinas como Direito empresarial e processual civil, por ter como objeto didático a abordagem em negociação e mediação de conflitos.
2) O material Conflitos em Foco, que funciona como expansão de portfólio para prestação de soluções jurídicas de prevenção e resolução de conflitos, a ser adotado por empresas de consultoria jurídica, como empresas juniores, pequenas empresas e startups. O objetivo foi criar um conjunto de documentos prático e eficaz, como cartilha de boas práticas, documentos jurídicos e modelos a serem implementados nas empresas clientes (código de conduta, regimento interno, política de privacidade etc), possibilitando que empresas de pequeno porte ofereçam consultoria jurídica voltada à prevenção e resolução de disputas.
3) Um Termo de Uso para plataformas digitais. Intitulado “Meu Termo, Seu Uso: reescrevendo o que ninguém lê, mas todo mundo aceita”, o documento é voltado para empresas e prestadores de serviço de plataformas de entrega ou transporte remunerado privado e busca prevenir conflitos entre eles, promovendo maior equidade contratual.
4) Um Chatbot de Direito nas Plataformas Digitais, ferramenta acessível e intuitiva para auxiliar motoristas e entregadores de aplicativos a entenderem seus direitos, deveres e garantias jurídicas ao traduzir conteúdos legais em linguagem clara e democratizar a informação.
5) A cartilha Resolvendo conflitos, protegendo mercados: soluções alternativas para o revendedor no setor de combustíveis, que apresenta, de forma didática e acessível, os principais desafios enfrentados pelos varejistas no mercado de combustíveis diante de práticas anticompetitivas. A cartilha explica condutas ilegais como preço predatório, venda casada e programas de fidelidade abusivos, orientando o revendedor sobre como reconhecê-las no cotidiano e denunciá-las ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Os produtos gerados pelo projeto de prática multidisciplinar foram diversos e os temas abordados tocaram em variados pontos da solução de conflitos, reforçando uma característica importante da disciplina, que é a autonomia dos alunos.