O Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP lançou ontem, 5 de maio, o estudo Mapas da (In) Justiça, que contará com plataforma interativa que possibilita a consulta de informações relacionadas a investigações de mortes decorrentes de intervenção policial no Estado de São Paulo, mapas e gráficos, além de disponibilizar a base de dados utilizada no estudo.
A pesquisa investigou o papel dos órgãos da Justiça na apuração dessas ocorrências entre 2018 e 2024, com ênfase na responsabilização de agentes de segurança pública e no papel das instituições que compõem esse sistema no Estado de São Paulo.
Foram analisados documentos retirados de 859 procedimentos criminais, sobretudo boletins de ocorrência, relatórios e laudos, pareceres do Ministério Público e decisões judiciais.
A principal constatação é que, neste período, nenhum policial foi responsabilizado por abordagem violenta contra a população no Estado de São Paulo. Deste total, em 62% dos casos, as vítimas eram negras.
“Os dados reunidos revelam um cenário de persistente impunidade, no qual a atuação policial letal é sistematicamente legitimada por narrativas oficiais, sustentadas em registros documentais marcados por seletividade racial, apagamentos e omissões técnicas” explica Julia Drummond, coordenadora-geral do projeto Mapas da (In)Justiça.
A análise dos boletins de ocorrência, por exemplo, mostra que categorias genéricas como “prática de crime” ou “atitude suspeita” são amplamente mobilizadas para justificar abordagens violentas.
A pesquisa aponta que as omissões investigativas são igualmente estruturantes desse quadro. “A precariedade das perícias, a ausência de exames básicos como o de resíduo de pólvora e a demora na emissão de laudos, com notável racialização dos atrasos, expõem fragilidades sistemáticas na apuração dos fatos e contribuem para a consolidação da narrativa policial”, explicam os pesquisadores.
Outro aspecto apontado na pesquisa é a corroboração dessas versões pelo Poder Judiciário, que não apenas desresponsabiliza os agentes, como também inverte a lógica da proteção da vida, atribuindo às vítimas a responsabilidade por sua própria morte.
“O ciclo de impunidade que emerge dessa análise é profundamente atravessado por marcadores raciais, evidenciando que o sistema de justiça criminal, longe de ser neutro, opera como vetor de reprodução das desigualdades estruturais que marcam a sociedade brasileira”, de acordo com os pesquisadores. Segundo eles, é necessário ampliar o debate público para formulação de políticas públicas voltadas à reversão desse quadro. “O enfrentamento da violência estatal exige o fortalecimento dos mecanismos de controle externo, o aprimoramento das práticas investigativas e, sobretudo, o compromisso político com a vida da população, principalmente da população negra, que segue sendo a principal vítima da violência institucionalizada”, dizem.
Apesar de ainda persistirem importantes barreiras à transparência e à obtenção de dados públicos, os resultados da pesquisa indicam pequenos avanços na interoperabilidade entre os órgãos do sistema de justiça criminal paulista, notadamente pela adoção da numeração única do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no inquérito policial eletrônico, o que viabilizou a construção da base de dados.
O projeto de pesquisa lançará em breve a plataforma Mapas da (In) Justiça, que oferecerá visualizações interativas sobre a letalidade policial no Estado de São Paulo, incluindo dados sobre perfil das vítimas, infraestrutura urbana e etapas da investigação e processo judicial. A base de dados completa utilizada na pesquisa, incluindo os prompts usados na aplicação de IA, já está disponível no portal Dataverse FGV, com possibilidade de download e reuso.
Saiba mais sobre o projeto Mapas da (In)justiça
Acesse a base de dados da pesquisa Mapas da (In)justiça