Mais da metade das reclamações constitucionais julgadas em caráter monocrático pelo Supremo Tribunal Federal (STF) confirmaram relação de terceirização ou pejotização. O dado consta na pesquisa Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais, lançada em 23 de novembro, durante o evento Direito do Trabalho no STF: cenário e perspectivas futuras, com o objetivo de compreender qual é o entendimento do STF nas reclamações constitucionais acerca da possibilidade de contratação de trabalhadores por terceirização e por pejotização.
Foram analisadas 841 decisões monocráticas de mérito proferidas pelos ministros do STF entre 01 de janeiro e 20 de agosto de 2023. Em relação à terceirização ou pejotização, destaca-se que 43% das decisões sobre o tema permitiram a terceirização de atividade-fim, 21% permitiram a pejotização e 1% autorizou a terceirização de atividade meio. As demais decisões negaram seguimento por motivos formais.
“Inicialmente, tentamos separar a análise dos casos envolvendo terceirização dos casos envolvendo pejotização. Contudo, isso não foi possível pois as decisões, em algumas situações, não diferenciam os termos ou não esclarecem de que modalidade de contratação estão versando. Por isso, optamos pela análise conjunta” detalha Olivia Pasqualeto, coordenadora da pesquisa e professora da FGV Direito SP.
Premissas
O grande número de decisões em reclamações constitucionais sobre o tema chamou a atenção, levantando o questionamento sobre o quão comum é discutir o assunto por meio desse tipo de ação. Para responder a essa questão, traçamos o panorama de decisões monocráticas em reclamações constitucionais relacionados à terceirização com relação ao total de reclamações no STF, conforme ilustrado no gráfico abaixo.
Figura 1. Evolução na quantidade de decisões monocráticas de reclamações constitucionais relacionados à terceirização com relação ao total de reclamações no STF
O gráfico apresenta a evolução na quantidade de decisões monocráticas em reclamações relacionadas à terceirização, bem como sua proporção com relação ao total de decisões, sejam elas monocráticas ou acórdãos, em reclamações constitucionais.
A linha cinza indica a existência de uma porcentagem significativa de reclamações sobre terceirização, em comparação com o total (linha azul). É possível observar um primeiro pico (7,07%) em 2011, ano em que houve alteração da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que trata das possibilidades de terceirização e era a baliza mais importante sobre o tema até 2017 (com o advento da Lei nº 13.429/2017 e, posteriormente, da Lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista). A partir de 2018 até 2020, é possível observar um segundo pico (que chega a 14,07%), o que pode ser decorrência da própria reforma trabalhista (que ampliou as possibilidades de terceirização também para a atividade principal da contratante), do julgamento da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e do Tema nº 725 de repercussão geral (que tratam da licitude de terceirização na atividade fim) e da entrada em vigor do Código de Processo Civil em 2015.
O novo Código de Processo Civil acrescentou uma hipótese nova de cabimento de reclamações constitucionais no STF. De acordo com seu o artigo 998, caput e parágrafos 4º e 5º, passou a ser cabível reclamação contra decisões que violam teses firmadas pelo Supremo em repercussão geral e em recurso extraordinários, sejam por não aplicarem o entendimento definido pelo tribunal, seja por uma aplicação indevida, que desvirtue o conteúdo decidido. Antes, a Lei nº 8038/90 estabelecia que a reclamação constitucional seria cabível, de forma genérica, para preservar a competência do tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões.
Ao mesmo tempo, o novo Código de Processo Civil também acrescentou novas condições para o cabimento das reclamações, passando a estabelecer que a reclamação só seria cabível caso ainda não tenha havido trânsito em julgado da decisão reclamada e desde que as vias ordinárias tenham sido esgotadas. O acréscimo desses requisitos também pode explicar o aumento de decisões monocráticas, sobretudo em razão das decisões de negativa de seguimento das reclamações por conta do não atendimento desses requisitos formais. A despeito deste fator que pode ter levado a um aumento na propositura de reclamações constitucionais, é importante ressaltar que, proporcionalmente ao total das reclamações constitucionais no período, também houve um aumento na quantidade de reclamações relacionadas à terceirização. Ou seja, houve um aumento no total de reclamações, mas houve um aumento maior ainda nas reclamações relacionadas à terceirização no período.
Nesse sentido, temas relacionados à terceirização representam uma importante parcela de tudo o que é discutido por meio de reclamação constitucional no STF (o que não envolve apenas temas trabalhistas, mas também assuntos de quaisquer outras áreas)
Metodologia
A metodologia da pesquisa foi baseada em pesquisa jurisprudencial no repositório de decisões do STF. Inicialmente, foram mapeados os acórdãos e, posteriormente, as decisões monocráticas no âmbito das reclamações constitucionais.
Para os acórdãos, realizamos uma busca em todas as classes processuais. As palavras-chave utilizadas foram terceirização, terceiriz$, pejotização e uberização, incluindo as menções às palavras-chave no inteiro teor, com a data de fechamento que restringe às decisões publicadas até 20/08/2023. A busca retornou 134 resultados, dos quais apenas 14 foram pertinentes. A leitura dos acórdãos indicou que a discussão relativa à terceirização e pejotização, na verdade, poderia ser mais relevante nas decisões monocráticas, que aplicam os precedentes dos acórdãos, com maior ou menor elasticidade. Assim, depois da análise das decisões colegiadas, a pesquisa partiu para o estudo das monocráticas.
No caso das decisões monocráticas, realizamos uma busca pelas palavras-chave terceirização ou terceiriz$, pejotização e uberização, incluindo as menções às palavras-chave no inteiro teor, também com a data de fechamento que restringe às decisões publicadas até 20/08/2023. A busca por terceirização ou terceiriz$ retornou 1646 acórdãos e 8653 monocráticas; a busca por “uberização” retornou como resultado 2 decisões monocráticas, que já haviam surgido na busca pelas expressões terceirização ou terceiriz$; a busca por “pejotização” retornou 61 acórdãos e 177 monocráticas.
Em seguida, a pesquisa segue com a exclusão dos resultados duplicados (108 processos). Em dois casos, as decisões não estavam disponíveis e, por isso, essas reclamações foram excluídas do universo. Após as exclusões, chegou-se ao universo de 8.543 monocráticas. As pesquisadoras optaram por realizar uma busca apartada por palavras-chave e, posteriormente, excluir manualmente as duplicadas para contabilizar, de modo específico, quais palavras-chave eram mencionadas em cada decisão (e, eventualmente, captar quais mencionavam a pejotização e quais mencionavam apenas terceirização). Ainda assim, para checagem de confiabilidade dos resultados, foi feita uma nova pesquisa pelas palavras-chave “terceirização ou terceiriz$ ou pejotização ou uberização”, utilizando o operador “ou” da busca avançada do portal do STF. O contraste nos resultados das buscas com e sem operadores retornou 43 acórdãos que não haviam surgido na pesquisa com as palavras-chave apartadas. Esses 43 acórdãos foram acrescentados ao universo de pesquisa, resultando em um universo final de 8.586 resultados, dos quais 6.893 são reclamações constitucionais.
Deste total de decisões, foram selecionadas apenas reclamações constitucionais (classe processual Rcl) julgadas no ano de 2023 (889 reclamações). Deste universo, foram selecionadas apenas decisões de mérito. Não foram analisadas, portanto, 48 decisões em medida cautelar (MC) ou decisões de agravo regimental e embargo de declaração (AgReg e ED). Essa restrição resultou em um banco de dados com 861 decisões monocráticas. Em seguida, foi feita a leitura das decisões, que levou à exclusão de outros 20 resultados por impertinência. Neles, a palavra “terceirização” surgiu apenas lateralmente, sem nenhuma conexão, nem mesmo remota, ao Direito do trabalho. Na verdade, essas decisões tratavam de penhora de verbas públicas. Após essa última exclusão, o universo de pesquisa foi estabilizado em 841 decisões monocráticas de mérito em reclamações constitucionais.
A partir dessas decisões, montamos um banco de dados com as seguintes variáveis: íntegra da decisão; parte dispositiva; parâmetro; o que fez o acórdão impugnado; classificação temática; tipo de atividade (se disponível); atividade meio ou atividade fim; fatos do caso; o que faz a decisão do STF; principal argumento (razão de decidir). As classificações temáticas foram elaboradas de forma indutiva, a partir do conteúdo e sobretudo do tipo de atividade presente em cada um dos litígios analisados.
Acesse a pesquisa Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais
Acesse o vídeo do evento Direito do Trabalho no STF: cenário e perspectivas futuras
Sobre as autoras
Olívia de Q. F. Pasqualeto é professora de Direito do trabalho e previdenciário da FGV Direito SP e pesquisadora no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) FGV Direito SP e do FGV Cidades. É doutora e mestra em Direito do trabalho e da seguridade social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tem pós-doutorado pela Universidade de São Paulo. E-mail: ollivia.pasqualeto@fgv.br
Ana Laura Pereira Barbosa é professora de Direito constitucional na ESPM e pesquisadora na FGV Direito SP. Doutoranda e mestre pela Universidade de São Paulo. E-mail: laura.barbosa@fgv.br
Laura Arruda Fiorotto é advogada no escritório Montenegro Castelo Advogados e bacharel em Direito pela FGV Direito SP. E-mail: laura@mcastelo.com.br