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Pesquisa da FGV Direito SP revela que Justiça trabalhista recorre à Convenção 190 da OIT para fortalecer jurisprudência em casos de assédio, mesmo sem a ratificação do Brasil

Objetivo das citações é ampliar conceito de assédio na fundamentação de decisões futuras. Estudo foi lançado em debate em 5 de junho.

Em 2019, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou a Convenção 190, tratado que amplia o conceito de igualdade e não discriminação, com a segurança e saúde no trabalho num único instrumento. Entre as inovações da convenção está a ampliação do conceito de assédio, principalmente para relações de trabalho terceirizadas. O Brasil assinou a convenção e, apesar de ainda não ter sido ratificada, a Justiça trabalhista brasileira começa a citá-la em suas decisões, introduzindo essas transformações na jurisprudência. Em boa parte dos casos, quando é citada, a menção é feita com o objetivo de reforçar argumentos, como um fundamento extra, sem tensionar o Direito interno, não provocando mudanças verdadeiras.

Essa é uma das principais conclusões da pesquisa Impactos da Convenção 190 da OIT no Direito Brasileiro, produzida pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Desenvolvimento da FGV Direito SP e lançada no dia 5 de junho em debate na escola. O encontro reuniu os pesquisadores responsáveis pelo estudo, que apresentaram suas principais conclusões; Gabriel Merconi, analista de dados da Data Lawyer, empresa parceira do projeto; e Agnes Marian Ghtait Moreira das Neves, juíza substituta da Justiça do Trabalho.

Segundo a juíza, “o relatório demonstra a importância da ratificação da Convenção 190 da OIT, que trouxe um novo panorama sobre o tema no mundo do trabalho, inovando especialmente acerca da caracterização da violência e do assédio, que passam a independer da reiteração de condutas danosas.” Para Gabriel Merconi, da Data Lawyer, “a jurimetria fornecida pela Data Lawyer foi uma importante ferramenta para ampliar a compreensão empírica da realidade jurídica, e igualmente imprescindível para acompanhar as transformações e dinâmicas que o Direito do Trabalho exige dos operadores jurídicos.”

De acordo com a coordenadora da pesquisa e professora da FGV Direito SP, Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto, utilizar a Convenção 190 é essencial.  “Observamos que a convenção tem grande potencial de fazer a diferença, seja porque contribui para o reconhecimento e combate a múltiplas formas de violência, seja porque alarga a concepção de meio ambiente do trabalho, ou porque se aplica além da relação típica de emprego, expandindo os horizontes do próprio Direito do Trabalho no Brasil”, diz.

A pesquisa analisou 651 decisões sob processos trabalhistas nos dois últimos anos (2023 e 2024). Dessas, 424 concentraram o uso da Convenção 190 e foram feitas por cinco Tribunais Regionais do Trabalho: TRT4, TRT5, TRT3, TRT9 e TRT2, nessa ordem. Já no Tribunal Superior do Trabalho (TST), apenas em cinco casos (1,22%) as decisões citavam a Convenção 190.

A análise destaca ainda que apenas 10 magistrados(as) relatores(as) foram responsáveis por 272 casos, o que representa mais de 40% do total de decisões sobre o tema. Tal dado revela uma concentração significativa dos julgados em um número reduzido de magistrados(as). Por um lado, isso pode se justificar em razão de particular interesse desses(as) magistrados(as) na Convenção 190; e, por outro lado, pelo possível desconhecimento da Convenção 190 por grande parte deles ou por entenderem que ela não poderia ser aplicada, dado que não foi ratificada.

Dentre os temas discutidos quando a convenção foi mencionada na decisão, o assunto assédio moral foi o que mais se destacou e apareceu em 570 decisões, seguido por assédio sexual, com 68 decisões; e discriminação, com 34 decisões.

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Em relação ao local em que ocorrem os casos de assédio, a maioria dos casos analisados (610) ocorreu dentro do estabelecimento físico da prestação de serviços (ambiente interno). Em segundo lugar, observa-se que, em 44 decisões, a violência foi sofrida no ambiente virtual.

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O estudo revela ainda que a maior parte das vítimas de assédio no ambiente de trabalho (392 decisões) é formada por mulheres, enquanto em 233 casos as vítimas eram do gênero masculino. Em 16 decisões havia alguma menção sobre a orientação sexual da vítima, indicando pertencer ao grupo LGBTQIAPN+.

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Quanto à natureza jurídica da relação envolvida no litígio, grande parte das decisões (614) envolve contratos de emprego típico, seguida de 21 decisões sobre trabalhadores terceirizados.

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Outro aspecto evidenciado no estudo é que na maior parte da amostra (545 decisões) os agressores ocupavam uma posição superior na hierarquia organizacional, ou seja, eram gestores diretos, chefes de setor ou exerciam outros cargos de liderança que com poder sobre os trabalhadores subordinados. Por outro lado, os colegas de trabalho com a mesma posição hierárquica foram responsáveis por 52 decisões.

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Por fim, entre as decisões examinadas, a violência foi reconhecida em aproximadamente 75% dos casos (489 decisões), demonstrando uma tendência significativa de acolhimento das alegações de assédio ou discriminação quando a Convenção 190 foi evocada. Por outro lado, quase 23% dos casos analisados (149 decisões) concluíram pela inexistência da violência, seja por insuficiência de provas, seja por entenderem que os fatos narrados não se enquadravam no conceito aplicado de assédio.

Metodologia

A pesquisa teve como objetivo compreender quais são os possíveis impactos da Convenção 190 no Direito brasileiro. Para isso, a metodologia valeu-se de três estratégias centrais: pesquisa bibliográfica, pesquisa jurisprudencial (desenvolvida a partir de decisões judiciais, obtidas da base de dados da empresa de jurimetria Data Lawyer, acessada em razão de acordo de cooperação técnica firmado entre a Data Lawyer e a Fundação Getulio Vargas) e pesquisa com outras fontes documentais, como portarias e protocolos relacionados ao tema.