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Revista Direito GV publica dossiê sobre diferentes tipos de desigualdade com pesquisas produzidas por autoras e autores do Sul global

Dossiê “Repensando desigualdades a partir de vozes do Sul” preenche uma lacuna na literatura, já que a relação desigual que existe entre o Sul global e o Norte global em termos geopolíticos está reproduzida na academia.

A edição 45 da Revista Direito GV traz, além de artigos e resenhas sobre diferentes áreas do Direito, um dossiê especial sobre diferentes tipos de desigualdade: social, de gênero, sexual, econômica e estrutural. Denominado “Repensando desigualdades a partir de vozes do Sul” e organizado pelas editoras Lívia Gonçalves Buzolin e Siri Gloppen, o trabalho é resultado de uma forma colaborativa de pesquisa feita por intelectuais do Sul global.

O dossiê preenche uma lacuna na literatura, já que a relação desigual que existe entre o Sul global e o Norte global em termos geopolíticos está reproduzida na academia. Essa relação se reflete também no acesso desigual a oportunidades e publicações científicas. Apenas 16% dos artigos publicados nos 20 periódicos sobre desenvolvimento mais bem ranqueados entre 1990 e 2019 foram produzidos por acadêmicos do Sul Global. Os artigos de autoria do Sul também têm menos citações do que os artigos produzidos por acadêmicos do Norte Global. Mesmo no caso de pesquisas conduzidas sobre países do Sul global, a autoria é predominantemente de pesquisadores do Norte, revelando a reprodução da desigualdade na academia e a urgência de dar voz a acadêmicos do Sul. Como consequência dessa dinâmica, os rankings, os fatores de impacto e os números de citação que moldam os espaços acadêmicos ocidentais também exercem pressão nos acadêmicos do Sul global, que geralmente têm menos acesso a financiamento para pesquisas e muitas vezes precisam combinar uma bolsa de estudos ou a docência com um segundo ou terceiro emprego.

O dossiê parte de estudos de caso sobre Brasil, Colômbia, Equador, Índia, Quênia, México e Zimbábue e apresenta novas perspectivas para abordar diferentes tipos de desigualdade. O trabalho surge de um laço pessoal das autoras e autor, todos integrantes da Rede Sul-Sul, um coletivo de acadêmicas e acadêmicos do Sul global que objetiva construir estratégias para desafiar o ambiente desigual que faz parte da academia – e o dossiê é um dos resultados deste esforço. A Rede Sul-Sul surgiu em agosto de 2020, durante o Bergen Exchanges on Law & Social Transformation (Law Transform) e anualmente reúne acadêmicas, estudantes de doutorado, artistas e ativistas do mundo inteiro para compartilhar suas perspectivas sobre como os direitos e o Direito moldam a sociedade, entendendo como a mobilização legal e as estratégias de lawfare são utilizadas como ferramentas políticas.

O dossiê “Repensando desigualdades a partir de vozes do Sul” analisa as desigualdades globais por meio de múltiplas lentes. O artigo de Wesley Maraire explora o desigual acesso à Justiça no Zimbábue, onde a herança colonial está refletida em um sistema de justiça que impede as pessoas de acessar e navegar por ele, afetando especialmente os 40% da população que vive abaixo da linha da pobreza. Perspectivas locais em diálogo com padrões internacionais são apresentadas nas pesquisas de Larissa Margarido e Kerigo Odada, ao demonstrar como a desigualdade de gênero pode ser

endereçada de diferentes maneiras. Seus respectivos artigos sobre casamento infantil no Brasil e detenção pós-parto em enfermarias no Quênia jogam luz sobre temas que são raramente explorados pela literatura, apesar das maneiras profundas pelas quais afetam a vida de meninas, mulheres e de pessoas que podem engravidar.

A interface entre o global e o local, e como isso afeta a desigualdade, também é explorada no artigo de Bhavya Gupta, que se propõe a compreender o que significa para um país do Sul global, no caso, a Índia, ser avaliado por uma audiência internacional e quais são as consequências em nível doméstico. O foco é a Revisão Periódica das Nações Unidas – um processo de avaliação dos Estados para fortalecimento dos direitos humanos –, aplicada para a Índia para assuntos relacionados a mulheres. A metodologia feminista é empregada para explorar as promessas, as recomendações e os silêncios sobre assédio sexual, casamento infantil, estupro marital, infanticídio de meninas e tráfico de mulheres para trabalho sexual.

No dossiê especial, as relações Sul-Sul são colocadas na prática acadêmica, exemplificando como uma aliança entre acadêmicas do Sul global pode ser benéfica para o campo do conhecimento. Um exemplo é o artigo de Ana de Mello Côrtes e Juliana Jaramillo sobre as batalhas que envolvem a educação sexual e estudantes LGBTQ. Nesse estudo, uma acadêmica brasileira e uma colombiana se juntam para explorar como atores, supremas cortes e casos judiciais têm moldado o curso e os resultados da mobilização legal que ocorreu nesses países de maneiras distintas, seja servindo como espaço de resistência a ataques conservadores, seja ampliando o uso da litigância estratégica para encampar as demandas LGBTQ.

A comparação Sul-Sul também é central para a análise da Thalia Viveros-Uehara sobre a litigância climática no México e no Equador. Seu artigo demonstra como a litigância climática pode endereçar as realidades complexas dos mais vulneráveis e aponta para uma abordagem reimaginada para a crise climática que afeta não apenas mexicanos e equatorianos, mas também latino-americanos e populações no mundo inteiro.

Acesse o dossiê Repensando desigualdades a partir de vozes do Sul” da Revista Direito GV