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Tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas é derrubada no STF

Tema foi amplamente debatido na FGV Direito SP no primeiro semestre deste ano, quando a escola, em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Comissão Arns, organizou duas mesas de debates que geraram um documento entregue aos ministros do STF Rosa Weber, Gilmar Mendes e Alexandre Moraes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou ontem maioria de votos para derrubar a aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas no país. A tese do marco temporal prevê que os indígenas só teriam direito às terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Na prática, ela limitava o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais por meio da aplicação de um corte temporal restritivo que redefiniria radicalmente o conceito de direito originário à terra consagrado na Constituição Federal, reduzindo e mesmo inviabilizando o reconhecimento e a proteção de grande parte das terras indígenas (TIs) no Brasil. O caso julgado foi o Recurso Extraordinário nº 1017365 – conhecido como “Caso Xokleng” – no qual o Estado de Santa Catarina se apoia no marco temporal para restringir os direitos territoriais do povo Xokleng. Como o STF reconheceu repercussão geral ao julgamento, as centenas de ações judiciais versando sobre o marco temporal que aguardam julgamento serão afetadas pelo seu desfecho.

O tema foi amplamente debatido na FGV Direito SP no primeiro semestre deste ano, quando a escola, por meio de seu Núcleo de Justiça Racial e Direito, organizou duas mesas de debates em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Comissão Arns. O objetivo dos eventos foi debater os riscos jurídicos, climáticos, econômicos, sociais e ambientais associados ao marco temporal, chamando especialistas e pesquisadores para discutir o tema a partir de suas áreas de investigação e promovendo um espaço interdisciplinar de debate.

A partir da interlocução com organizações indígenas e com a comunidade científica, os encontros promoveram uma discussão pública multifacetada sobre o tema com o intuito de produzir insumos para o julgamento do Caso Xokleng no STF, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do marco temporal. Os dados e informações trazidos nesses debates foram consolidados em um documento que demonstra que o marco temporal não é um dispositivo viável de composição de interesses e direitos, seja do ponto de vista jurídico, econômico, social, climático ou ambiental e que o marco temporal viola os direitos constitucionais e internacionais dos povos indígenas, contribui para o caos fundiário e a grilagem de terras públicas, principalmente na Amazônia, ameaça a qualidade ambiental e atenta contra o equilíbrio climático.

O documento, chamado Riscos e violações de direitos associados à tese do marco temporal: Uma análise interdisciplinar a partir do direito, da economia, da antropologia e das ciências climáticas, foi entregue no dia 1º de junho ao ministro da Justiça Flavio Dino e aos ministros do STF Rosa Weber, Gilmar Mendes e Alexandre Moraes.

Para Oscar Vilhena Vieira, professor de Direto Constitucional da FGV Direito SP, a decisão do Supremo, declarando o marco temporal inconstitucional, além de assegurar o direito originário dos povos indígenas a suas terras, tem enorme relevância no debate climático. “As evidências demonstram que os indígenas são os principais defensores das nossas florestas, indispensáveis para que tenhamos oportunidade de realizar uma difícil transição energética. Ficamos muito orgulhosos em ter contribuído para esse debate, levantando dados e informações necessárias a tomada de uma decisão tão relevante para os indígenas e para o planeta”, conclui Vilhena.

Os debates estão disponíveis nos links abaixo:

O Direito e as ameaças aos povos indígenas no começo do século 21: ciclo de debates sobre o marco temporal - Primeiro encontro

O Direito e as ameaças aos povos indígenas no começo do século 21: ciclo de debates sobre o marco temporal - Segundo encontro