Uma carreira bem-sucedida nas principais bancas de advocacia do Brasil exige domínio técnico e teórico do Direito e uma constante atualização. Porém, o rápido processo de digitalização da sociedade, que chegou à própria prática jurídica, a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o incentivo à utilização de métodos extrajudiciais de solução de controvérsias pelo Código de Processo Civil de 2015 ampliaram a necessidade de desenvolvimento de novas competências, como gestão de processos, conhecimentos tecnológicos e habilidades socioemocionais.
Esse é um dos dados identificados pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP, que buscou identificar, entre 400 bancas de advocacia de todos os portes atuantes em diferentes regiões do país, o quadro atual do impacto da tecnologia no mercado jurídico.
A pesquisa resultou no relatório Formando a Advocacia do Presente e do Futuro – Habilidades de Pesquisa e Atuação, que formatou um mapa de habilidades e competências inédito que traduz o contexto de transformações na advocacia.
Para Ana Paula Camelo, pesquisadora do CEPI e coordenadora do estudo, “o mapa que resulta da pesquisa mostra como diversas combinações de habilidades e competências encontram espaço com a transformação dos escritórios de advocacia no Brasil. Essas oportunidades, no entanto, esbarram nas lacunas de formação e na incompatibilidade com os instrumentos de contratação”.
Em uma das perguntas, a pesquisa solicitou que os respondentes elencassem, em ordem de prioridade, quais seriam as habilidades mais importantes entre as seguintes: formação jurídica, conhecimentos em gestão, habilidades socioemocionais e competências tecnológicas. Para 39% dos participantes, formação jurídica ainda é uma habilidade prioritária, seguida por 26%, que escolheram competências em gestão como as mais importantes. Outros 20% dos participantes afirmaram considerar mais importantes habilidades socioemocionais e, por fim, 15% indicaram como mais relevantes conhecimentos tecnológicos. Somadas, as competências extrajurídicas somam 61% das habilidades prioritárias para as bancas de advocacia.
Ao destrinchar as habilidades que os entrevistados consideram ser um diferencial positivo, apenas três competências jurídicas constam entre as 10 primeiras colocadas.
HABILIDADES QUE DIFERENCIAM POSITIVAMENTE - LISTA POR ORDEM DE %
Fonte: CEPI FGV Direito SP, 2023
Criação de novas áreas
A pesquisa também levantou as principais áreas de atuação ou funções criadas nos escritórios nos últimos 05 anos. Entre as cinco primeiras, estão departamentos ligados a LGPD (39%), marketing (35%), áreas de negociação, mediação e conciliação (26%), gestão do conhecimento (26%) e gestão de inovação (23%). Essa questão admitia múltiplas respostas.
CRIAÇÃO DE NOVAS ÁREAS – ÚLTIMOS 5 ANOS
Fonte: CEPI FGV Direito SP, 2023
A pesquisa ressalta que em mais de 90% dos escritórios de grande porte, essas áreas foram criadas nos últimos cinco anos. A liderança de áreas criadas para LGPD visou atender à Lei nº 13.709/2018, que criou o sistema de proteção de dados pessoais.
Porém, ainda considerando respostas múltiplas, 48% dos escritórios afirmaram não terem criado novas áreas nos últimos cinco anos, ao passo que 33% reconheceram que criaram essas áreas por demanda de clientes e 17% por iniciativa de profissionais. 30% disseram que as novas áreas foram criadas para inovar na prestação de serviços jurídicos e 29% para implementar ou melhorar a estrutura tecnológica.
Contratação
O estudo também se preocupou em avaliar qual a posição dos escritórios em relação à contratação de profissionais. Em relação aos próximos cinco anos, a grande maioria concordou com a afirmação, total ou parcialmente, de que a tecnologia será um critério diferencial entre os escritórios de advocacia (93%) e que a advocacia será muito impactada pela tecnologia, com a necessidade de se reinventar algumas práticas (92%). Já 38% dos respondentes acreditam que a tecnologia terá pouco impacto na atuação do advogado.
Não obstante esse prognóstico, a pesquisa identificou que 25% dos respondentes afirmaram não ter nenhuma estratégia para lidar com as lacunas de formação de profissionais, 31% dos escritórios financiam cursos somente para advogados específicos e 36% recorrem a programas internos. O total de escritórios que afirma financiar cursos para todos os advogados interessados soma 41%.
Quando se pergunta qual é a estratégia adotada para contratação de advogados, 96% recorrem à avaliação de currículo e formação e 95% em entrevista individual para avaliar comportamento e conhecimento. Mas ainda chega a 90% o número de respondentes que afirmam recorrer à indicação como forma de contratação. “O impacto da tecnologia no mercado jurídico extrapola a discussão restrita a ferramentas tecnológicas e tem, cada vez mais, repercutido na criação de novas áreas, funções e serviços jurídicos, juntamente com a criação de oportunidades para novos e diferentes perfis de profissionais”, explica Ana Paula Camelo.
“Tem-se cada vez mais claro que o advogado de hoje — e não mais o famoso ‘advogado do futuro’ — deve transitar harmonicamente pelo ambiente das tecnologias, deve conseguir articular serviços em ambientes hiperconectados e deve saber combinar diferentes áreas do conhecimento em prol de seus clientes. É imprescindível compreender que, bem como nossos aparelhos eletrônicos, as relações sociais de hoje estão hiperconectadas e, assim, não podem ser compreendidas isoladamente”, afirma Victor Cabral Fonseca, coordenador do ThinkFuture, programa de inovação da TozziniFreire, um dos parceiros da pesquisa do CEPI. Para Renato Maggio, Sávio Andrade e Paulo Silvestre de Oliveira Junior, respectivamente sócio, associado sênior e head de Inovação e Desenvolvimento do escritório Machado Meyer, também parceiro do projeto, é notório que a adoção de novas tecnologias no desenvolvimento das atividades jurídicas tornou-se um fator crucial para se adequar a essa nova realidade. “Mas adotá-las não é o bastante, pois quanto mais a tecnologia está disponível a todos, menos ela se torna, por si só, um diferencial competitivo. Quanto mais avançamos em direção a essas inovações, fica claro que o diferencial que as organizações tanto buscam está também nas pessoas, pois são elas que extraem todo o potencial das soluções tecnológicas e transformam oportunidades em negócios”, dizem. “O profissional do futuro deve ter sólida formação jurídica, mas deve também estar apto a compreender como a tecnologia pode ser utilizada na sua rotina de trabalho. Os conceitos jurídicos são fundamentais, mas também é indispensável conhecer questões técnicas de prestação de serviços na internet para encontrar a melhor solução. O profissional do futuro, com ampla compreensão da tecnologia, poderá se antecipar às demandas do mercado e estará em uma posição privilegiada para resolver os desafios que surgirão”, diz José Mauro Decoussau Machado, sócio do escritório Pinheiro Neto.
Para Adrián Fognini, managing director para a América Latina da Thomson Reuters, empresa global de conteúdo e tecnologia e apoiadora do estudo do CEPI, “o segmento jurídico atravessa significativas transformações que trazem novos desafios, mas também oportunidades de criação de valor inéditas. Os aspectos destacados no estudo mostram que o profissional vem se transformando frente a essas novas dinâmicas, demandas e tecnologias, buscando alavancar seu papel estratégico junto aos seus clientes e à sociedade. Habilidades tecnológicas e de gestão, interpessoais e conhecimento atualizado são aspectos cruciais para os profissionais que querem ser referência, tanto para seus clientes quanto para o segmento jurídico como um todo”.
A pesquisa foi lançada hoje no evento Formando a advocacia do presente e do futuro: habilidades e perspectivas de atuação - lançamento dos resultados da pesquisa na FGV Direito SP.
Acesse o relatório da pesquisa Formando a advocacia do presente e do futuro: habilidades e perspectivas de atuação: destaques e tendências.
Acesse o infográfico com os principais resultados da pesquisa.
Saiba mais sobre o projeto de pesquisa Formando a advocacia do presente e do futuro: habilidades e perspectivas de atuação